31 agosto 2010

Biogeografia


John Berger diz, em Here is Where We Meet, que Lisboa é a primeira cidade africana e que o deserto começa para lá do Tejo.
A norte do Tejo, bem a norte, estão hoje 37 graus à sombra, qual sombra. Morrem as árvores, calcinadas e secou a relva de plebeia, a que crescia fora dos campos de golfe. As matas secas só esperam a misericórdia do fogo. De meninges quentes, os homens, enlouquecidos, ateiam chamas nos eucaliptais. Os que não fugiram choram, sob as câmaras implacáveis. Já ninguém se compadece, ninguém ajuda.
A biogeografia deve explicar que estes lugares não são propícios à filosofia, à indagação peripatética, ao espírito crítico. Na África da Europa qualquer discussão se incendeia, qualquer diferendo liberta fumo. Não há moderados no Grande Marrocos do Norte, capital Lisboa. A escola de Verão dos sociais –democratas, diz quem lhe sobreviveu, parece uma madrassa afegã. No Rossio, madame Lizt fait des listes, das presenças, das ausências, das precedências. No Parque, uma criança ficou parada, de olhar vago, não respondeu quando a chamaram pelo nome, nem quando lhe disseram que ia passear, ver os popós. As margens do Reno, os lagos dos Alpes, as montanhas da mitteleurope, as planícies do Norte criaram a dissidência protestante, o calvinismo, a lógica e o método científico. O sul especializou-se na emigração, na dolce vita, na poesia e na pirotecnia.
O norte tem as saunas e o culto do corpo. O sul tem o suor e a matança do porco.
Caminhando nas margens do lago de Bienne reencontrei Sebald, Rousseau e um pedaço bom de mim próprio.
Agora já secaram todas as árvores que reguei. Mudo de roupa mas não consigo mudar de cheiro. Sou de novo um homem condenado ao deserto. Caminho rente aos muros, piso os rastejantes e o cheiro do subdesenvolvimento cola-se-me à pele.

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28 agosto 2010

Tony Judt: As Montanhas Mágicas




One is not supposed to love Switzerland. Expressing affection for the Swiss or their country is akin to confessing nostalgia for cigarette smoking or The Brady Bunch. It immediately brands you as someone at once unforgivably ignorant of the developments of the past thirty years and incurably conventional in the worst way. Whenever I blurt out my weakness for the place the young yawn politely, liberal colleagues look askance (“Don’t you know about the War?”), my family smiles indulgently: Oh, that again! I don’t care. I love Switzerland.

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A vitória final do Geberit



Mesmo depois dos sonhos europeus
terem ruído
ele continuou a ser o porto tranquilo
das paragens a luz
na escuridão a superfície lisa
limpa a descarga
que assinala
a brancura do mundo
e a dispersão das cinzas
o reflexo das louças sanitárias
emblema de Rapperswil a Shangai
da mundialização
velho companheiro
cada vez mais novo como a criatura
de Blake
do espaço público ao privado
breve ou longo
em pvc ou inox
o Geberit

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27 agosto 2010

Zurique Bahnhofstrasse

Zurique Bahnhofstrasse

Zurique Bahnhofstrasse

Zurique Bahnhofstrasse

Zurique Hauptbahnhof

Corviglia

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26 agosto 2010

Celerina

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Orel Füssli

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Viva a Língua Alemã




Há alguns anos estive a trabalhar na Suíça e o país chamou-se então, para mim, Suisse. Não sei se era bem trabalho o que fazia. De dia fotografava e à tarde submetia as provas ao Mestre –Fotógrafo. Tudo isto somado demorava duas horas, três, no máximo, se me esforçasse. No resto do tempo procurava extrair vantagem da superior organização do país chamado Suisse: no restaurante e na biblioteca do Instituto de Fotografia, na lavandaria do edifício onde alugara um T0, nos comboios, na Cinemateca, nos museus, nos correios, nos Bancos e nas estações de sky.
Nessa altura falava francês. Toda a gente falava francês. Pareceu-me uma boa língua para a fotografia.
Agora volto, como turista.
As pessoas falam alemão. São altas e elegantes nas ruas de Zurique, na Bürkliplatz, no Utoquai, na Orel Füssli, nos jardins do museu Rietberg. A partir da idade em que a Yourcenar dizia que temos o rosto que esculpimos, cada pessoa tem no rosto uma história, ao mesmo tempo simples e misteriosa como eram as das personagens dos escritores da Mitteleurope no mittelséculo passado.
São lindas como Dagmar Liechte-von Brasch a sobrinha de Bircher-Brenne, que revitalisou a Clínica nos anos 50 e foi a primeira mulher que chefiou serviços médicos na Suíça. Die Schweiz. Os homens e as mulheres suíços, de Zurique, de meia-idade, vestem tecidos de linho, de cores claras ou preto e têm óculos de modelos arrojados. Parecem crianças grandes. Envelheceram, vê-se na expressão bondosa. Mas mantiveram os traços infantis. As mulheres passam nas bicicletas, de jeans justas e sabrinas.
Falam alemão. A sensação de harmonia e de proximidade com a natureza é transmitida pela abundância da água, o funcionamento silencioso dos comboios, o aspecto distinto das mulheres de média manutenção e pela língua alemã.
Penso no francês e na minha infância, aturdida e enganada. O francês actual está bem para as canções adolescenciais do Vincent Delerme e da Carla Bruna e para os éditos racistas do governo legítimo de Paris. A língua inglesa será sempre a língua franca dos negócios, a língua do Fripor. Foi em alemão que escreveu Goethe e Wittgenstein, Benjamin e Luxemburg, Walser e Sebald, Joseph Roth e Tomas Mann, Hauptman e Holderlin, Hesse , Creutzfeldt e Wernicke.
Viva o suíço-alemão. Viva o alto alemão.

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23 agosto 2010

Matam-se uns aos outros


The Straight Story

Quinze dias a conduzir num país normal chegam para, no regresso, nos escandalizarmos com o comportamento dos nossos condutores. Não respeitam os sinais de trânsito nem os limites de velocidade, buzinam continuamente, se por acaso lhes vemos as caras parecem zangados ou ameaçadores. Estacionam nos passeios tornando a vida dos peões uma aventura e interditando a via pública às crianças. O exemplo vem sempre de cima: as passadeiras, os traços contínuos e as marcações em geral empalideceram incitando à transgressão; as altas figuras do Estado e as pequenas figuras locais com direito a viatura e chofér sentem-se acima da lei e circulam a altas velocidades; a Brisa manda nas auto-estradas e tem direito a obras intermináveis, tornando o trajecto da A1 um martírio taxado. A polícia caça multas vergonhosamente, sem nenhuma missão pedagógica ou de censura, parecendo movida apenas pelo cumprimento de metas de auto- financiamento. Entretanto os inocentes sofrem, ficam estropiados, morrem.
No primeiro dia de chuva os incêndios deixaram de ser notícia e voltaram os acidentes nas estradas, um bombardeamento na A 25 com famílias desfeitas e a infelicidade distribuída por vários hospitais.
Estamos condenados a isto. Aos incêndios, ao crime nas estradas, às condolências e à lamúria. Os mais corajosos já partiram e os mais pudicos já se calaram. Eu escrevo estas coisas como quem se lava, mas a água vem suja e faltam-me as palavras.

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Nous sommes tous des tsiganes français


A imagem retrata um momento da história francesa. Com a França ocupada, a polícia da República francesa acantona no Vélodrome d'Hiver os judeus que entregará depois a um destino de morte.
Hoje, o eleito dos franceses, encarniça-se contra os ciganos.
Já houve tempos melhores do que este. Em que quando alguém era perseguido se ouviam as vozes dos que diziam: - "Nous sommes tous des gitans français".

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17 agosto 2010

Pedalam curvados


Charlotte Perriand




Pedalam nos Alpes
curvados no volante - estes
agora
descem
para o vale
depois de passado o Julierpass.

Ele vai à frente
de cabelo branco.
Ela apanhou-o
debaixo da trança do capacete
e de uma touca
escarlate
que desce à nuca.
Parece uma marciana
em missão de paz.

Tão frágeis ao lado dos cumes
do colo de Julier.

Inclinam o corpo com graciosidade
pedalam depois de desfeita a curva
entre os dois a distância vai esticando
e depois
reduz-se
tão perto que talvez nas subidas
ela tome a dianteira.

Estão equipados a rigor
com jerseis que desenham as ancas
os ombros
e como uma segunda pele deixam
o corpo seco
ao transpirar.
Abaixo das ¾ knickers
as pernas são
-como se diz-
torneadas.
De vez em quando ele volta ligeiramente a cabeça
para a ver ( como ela é
de relance
polarisada pelas oakley path radar).

É assim que fazem os que se amam.

Pedalam em uníssono
em doces
mas arrebatados orgasmos
simultâneos como um par verdadeiro.
Não existe entendimento maior do que este:
no cenário dos Alpes
dois corpos cuidadosamente aparelhados
que envelheceram juntos mas conservam
o brilho e a elasticidade do
neopreno
a sofisticação do tungsténio
e do vermelho absoluto
nos lábios dela.

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10 agosto 2010



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05 agosto 2010



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02 agosto 2010



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