13 junho 2009

Tropismes, librairies



Na cidade de B. há uma livraria chamada Tropismes. A cave tem livros de política, antropologia, psicanálise e comunicação. Dois cavalheiros simpáticos estão prontos para esclarecer qualquer dúvida. A cave é, como se vê, dispensável. O andar térreo tem livros de poesia, ficção estrangeira e ficção de escritores de B., livros de História e de viagens. Entre as estantes, discretas, estão duas mulheres . São muito magras, de braços longos, cabelo claro, fino. Talvez tenham sardas. Uma delas estava sentada, na tarde em que passei, num recanto da Tropismes, e lia, à luz de um candeeiro, o que podia ser uma nota de encomenda mas me pareceu o melhor e o mais secreto dos livros. A outra aproximou-se para saber se eu precisava de ajuda. Falava baixo e apercebi-me de que havia em toda a livraria um silêncio respeitoso, resultado do efeito de amortecimento dos livros, do elevado pé direito do edifício das Galeries des Princes e da atitude dos clientes, folheando livros demoradamente. A mulher que me interpelava e a mulher sentada pareciam a mesma mulher. Vestiam tecidos leves, transparentes. Esta descrição é enganadora, porque estas mulheres são sobretudo espírito, quase só Espírito e falar do corpo delas não facilita a impressão que causam e estou agora a tentar transmitir-vos. Direi que os cabelos, o porte, a idade, a fala sussurrada mas clara, a postura discreta criam uma impressão tão forte, tão de acordo com o papel central que as mulheres, a literatura e os livros têm na minha vida que não consegui pedir nenhum livro, com receio de as desiludir, do meu autor não estar à altura, de quebrar a doce gravidade que aquelas duas mulheres transmitem à livraria. Nos escaparates havia Joseph Roth, uma reedição de Judeus Errantes seguido do Anticristo pelas editions du Seuil. E Alexanderplatz de Doblin. E havia ainda um pequeno livro da Sophie Calle nas Actes Sud, que falava da RDA, e comprei para o Bonirre, embora tencione ficar com ele. Mas eu procurava Jour de souffrance, de Catherine Millet. Jour de souffrance, murmurei com a voz embargada e vi a mulher à minha frente, só Espírito, e ao fundo a outra mulher, que era a mesma. Atrás delas havia um pequeno gabinete na penumbra, e por um momento julguei ver Catherine M., de olhos baixos, enfrentando 50 homens priapisados e atrás dela o marido, o cabrão do poeta, l' ecrivain, le vrai écrivain, que finge fotografá-la, que está ali para o que der e vier, mas de facto está virado para as mulheres da livraria e alinha com elas um sorriso cúmplice. Souffrance d'un jour repeti. A minha voz era inaudível e abandonei Catherine M. aos 50 homens, a esta mulher que era o Espírito e ao cabrão do poeta, lui-même.

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