24 junho 2009

Chamavam-lhe o peixe


Mudava a água enquanto ele aguardava, imóvel, numa apertada cela secundária. Dava-lhe de comer à hora certa e, até hoje, ele vinha sempre, voraz mas delicado. Viveu na maior solidão entre filmes do canal franco-alemão, três livros empilhados da Sophie Calle, o relato de Veneza do Predrag Matvejevic, o catálogo do centenário de Palladio, dois castiçais, o centro de mesa, às vezes com flores, geralmente amarelas. Viu-me partir e chegar do hospital , emagrecer e engordar, nem sempre feliz. Viu quatro estações, uma ventoinha , a luz da manhã filtrada pelo véu de algodão, dois desenhos de uma mulher da linha da Lousã, a virgem de Guadalupe, uma torre de dêvêdês, fumo light de LM, recados em post it, pontos de exame impecavelmente corrigidos, as tuas lágrimas e sorrisos. Viu-me através de uma lente que para ele era convexa e me diminuiu muito aos seus olhos, a mim, seu carcereiro, fotógrafo, coveiro.

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