02 março 2008

Dois: Atrás do homem vai o cão

O homem não consegue dormir. Deixou um moribundo à sede e vai levar-lhe a água que lhe negou. Deixa a pick up no alto da estrada e faz a pé o mesmo trajecto da tarde, até ao círculo dos mortos. É o fim da noite castanha dos desertos do Novo México. O traficante está morto, não precisa de água. De repente o homem percebe que não está sozinho. No topo, onde deixou o carro, brilham as luzes potentes de outro carro e ouvem-se, indistintas, as vozes de outros homens. Em breve descerão para ele. Ainda está a tempo de se esconder, de fugir, de disparar a arma que traz consigo. Tem os movimentos presos. Vê as luzes que se aproximam, ouve as vozes. Protege-se atrás da carroçaria de uma van e depois, já ferido, foge. Corre, entre as balas. Corre tão depressa que nasce o dia, uma luz crua antes do sol. Corre à frente das balas, à frente do cão que vai ser largado. Corre até à água, mais profunda do que parece, a água salvadora, a correnteza da água do Rio Grande. Atrás do homem vai o cão.

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