23 setembro 2007

Jorge Cramez: O Capacete Dourado


Um filme português, o primeiro filme de Jorge Cramez, é absolutamente de ver.
Capacete Dourado comete a proeza de reunir um par romântico, Ana Moreira e Eduardo Frazão. (Perplexidade : como é que, dias depois da estreia, Eduardo Frazão continua um desconhecido. Como é que os jornalistas do cinema não o entrevistaram, não nos dizem como foi escolhido, o que fez antes, onde anda agora.)
O filme conta um momento da vida de dois adolescentes, em Vila Real, Trás os Montes. Um rapaz de capacete dourado a caminho de um desastre e uma rapariga anoréctica no meio de outro.
A realização é excelente, culta, económica. A fotografia deslumbrante, mostrando este país, que, quando se sai de Lisboa para o norte, fica logo tão perto da Turquia e do Irão. Os actores bem misturados com os figurantes.
Mas o mais fascinante neste filme é a indefinição do tempo da acção, essa sensação que nos acomete quando entramos numa cidade como Nelas, Viseu, Bragança ou em S.Pedro do Sul, e tudo é simultaneamente antigo e da maneira nova que não queríamos. Lá estão os professores e a sala dos professores, a casa do dr.Rogério, os rapazes a consertar as motoretas e depois a irem experimentá-las, a pesca no rio Corgo, mas também o jogo na consola em que Jota saca informações de Margarida ao amigo, o rapaz que vende figos maduros no parque de estacionamento do Miracorgo, o monólogo da ucraniana no salão de bilhares. Vasco Câmara, no comentário que acompanha a reportagem do ipsilão, recorda que este filme e o seu autor pertencem à geração de Teresa Villaverde e Pedro Costa. Entretanto o filme não é datado. Não é o filme que Cramez não chegou a fazer nos anos 80. É um filme transgeracional, que pode reunir, em torno de um objecto quase-perfeito, a memória dos rebeldes sem causa, dos que nos finais dos anos 80 filmaram o sangue, a lava, os ossos e o silêncio e também os actuais adolescentes.
No final ficam algumas imagens: o toque do intervalo, os rapazes no corredor a puxar dos cigarros, a porta que se abre para uma varanda e de repente, atrás do olhar desafiante do Jota empoleirado no varandim, muito breve, só imaginado, o abismo.

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