02 agosto 2006

Magnolia

Viu então várias vidas correndo paralelas, que eram só fragmentos de vidas, falas sem som. Umas de gente antiga, camisas brancas de manga arregaçada, mobília austera, corredores na penumbra, portas fechadas, quartos proibidos, sótãos, caves. Uma bicicleta parada na estação de caminhos-de-ferro, à guarda do factor, esperando o visitante dos fins-de-semana.





Outras de risos breves, areia atlântica e mais golpes da luz que vem das pernas quando as mulheres rodam entre as saias.





Uma prisão no mar, aberta ao teu olhar por vir. Um aljube de vozes sussurradas. Um labirinto a que chamam parlatório.





As crianças gatinham entre as patas de um cão enorme, protector.
Os pátios das cidades do interior, o salto, os quartos das pensões da Europa, no largo da gare, com tabiques de madeira e no outro quarto uma mulher a vir-se, em alarido festivo, debaixo de um homem silencioso.





O fim das aulas, o começo das aulas, a matinée, a exposição, as crianças ajoelhadas em frente de um quadro de Bonnard.





O dentista de cuidadosas mãos sapudas, a inundação de urina rebentando as sondas, as paliçadas de sacos colectores, os biombos boiando na direcção da capela do hospital.





As vidas alinhadas como tubos de néon, fileiras de cores, incandescentes, procurando uma ligação, uma via comum de navegação.




Duas mulheres debruçadas sobre um corpo. Ele desenha com o dedo no papel a mesma frase. Depois o clarão que funde as várias vidas. Depois silêncio.

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