23 agosto 2006

Hezbollah fashionable (2)



Daniel, obrigado pelo seu texto. É verdade que eles se parecem mais connosco. E o Estado deles também. Confessional e militarista, diz o Daniel. Mas onde se pode conduzir actividade oposicionista, onde o pluripartidarismo funciona regularmente, onde existem organizações pacifistas, que lutam pelos direitos humanos incluindo os direitos das minorias. Onde os cultos religiosos são respeitados. Onde existe uma lei que se aplica em todo o país.
O Líbano é uma democracia. É verdade. Desde que um movimento popular forçou a retirada militar da Síria, precisamente contra o Hezbollah, um estado dentro do estado, uma coluna armada do fundamentalismo islâmico.

Consigo detectar ainda outras semelhanças. O Hezbollah, na sua organização, na obediência fanática ao líder divinizado, na forma de treino, na exibição da força, na encenação de massas, nos métodos de enraizamento nas populações é demasiadamente parecido com os grupos hitlerianos, quando estes irromperam no ambiente degradado da República de Weimar. E ainda noto mais proximidades e eram essas a que aludia no post a que se referiu. Tenho pena de não poder reproduzir a fotografia dos funerais dos combatentes islâmicos com que o Público encheu a página dois de segunda-feira. Sobre o fundo esfumado de mulheres de luto, elegantes vultos femininos onde só os olhos se distinguem, levanta-se, claríssimo, um cartaz do imã da moda, com a mão serenamente apontando os céus, mas tendo à frente quatro microfones terrenos. E numa letra cuja modernidade pede meças a qualquer talentoso publicitário ocidental, a frase “the Divine Victory”, com o pormenor da palavra DIVINE se destacar em branco no fundo do cartaz.
Todas as mortes nos matam um pouco. E na sua linha de argumentação eu podia dizer-lhe que as mortes libaneses estão compreensivelmente mais próximas do Daniel do que as dos tchetchenos, dos iraquianos da guerra civil, dos africanos da Costa do Marfim, da Libéria, do Darfur, da Etiópia, dos camponeses da Colômbia. Mas a honestidade intelectual deve reprovar a contabilidade dos mortos e a exibição da morte que o Hezbollah utilizou sistematicamente como arma eficaz de guerra, com a cumplicidade editorial de muitos jornalistas e foto-jornalistas ocidentais e a ingenuidade habitual da opinião pública.

Ao longo deste mês os partidos da esquerda portuguesa furtaram-se a caracterizar politicamente o Hezbollah, o que contrastou com a prodigalidade de adjectivos que dedicaram ao Estado de Israel, muitos deles retirados dos compêndios da guerra-fria. E agora, esgotado que parece o curto arroubo do ministro da Defesa em busca de uma posição interventora da União Europeia, estão todos unidos, direita e esquerda, a favor de nenhuma participação na força de intervenção da ONU no Líbano. A recusa do PC e do BE não é, na prática, muito diferente da posição do governo e dos partidos da direita: participar, depois de esclarecer isto e aquilo e na medida das nossas possibilidades e depois de analisado o conjunto de responsabilidades que já assumimos no mundo…

O Daniel diz que o Estado de Israel foi construído ao som das botas militares. Mas, desde que Teodoro Herzl, que foi o pai do sionismo - e seria pedagógico que alguém como o Daniel ensinasse a essa esquerda intolerante que rima sionismo com nazismo, que o sionismo nasceu como uma utopia no caldo cultural da Europa central do fim do século XIX, uma utopia pensada por um homem estimável e generoso, ignorada pelos judeus integrados do Império austro-húngaro e alemão, mas adoptada irresistivelmente pelos judeus pobres da “Paliçada”, esse grande gueto do Oriente europeu que ardeu interminavelmente em progroms sucessivos- lançou a ideia da reunificação da diáspora no território de Eretz Israel, foram várias as botas que soaram e não foram as de Israel as mais mortíferas. E houve sons que não foram de botas, sons que recordo especialmente, como os dos casamentos mistos, dos contactos entre cineastas, do movimento que reuniu vítimas da violência árabe e israelita, da orquestra de Daniel Barenboim e Edward Sayd.

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