31 dezembro 2005

Uma noite assim



Saíram do vale do Rossim na direcção da Lagoa. Caminharam todo o dia, com pequenas paragens para comer e se certificarem do percurso. De vez em quando nevava. Os charcos estavam gelados e um manto de neve cobria o cervunal e os blocos erráticos despejados no desfiladeiro. Ao fim da tarde caiu um nevoeiro na altura precisa em que procuravam orientar-se para o Cântaro Gordo. Continuaram a subir mas o coração batia-lhes mais depressa do que o cansaço e nunca atingiram o que julgavam ser o lugar chamado Charcos. Um deles caiu e perderam-lhe o contacto. Gritaram, mas só ouviam os seus gritos. Quando se reagruparam era noite. Nevava e como tinham perdido todas as referências, atolavam-se na neve. Recolheram-se debaixo de uma laje, esgotaram a carga dos telemóveis e os insultos às operadoras nacionais. Não tinham fome nem sede. O frio era maior do que a roupa térmica e eles sentaram-se abraçados, e depois em círculo, esfregando as costas. De madrugada comeram e cantaram, primeiro baixinho e depois despropositadamente alto, como se tivessem bebido. Quando se calaram, sentiram que não estavam sozinhos, que outras coisas vivas se recolhiam em covas como as suas. E tiveram, por contágio, a sensação grandiosa de existir plenamente. Depois dormiram, à vez, como tinham aprendido que se fazia, mas de facto adormeceram todos. Quando acordaram, a rapariga chorou baixinho, e eles desistiram de a consolar porque era manhã, continuavam perdidos, só se via neve uns metros em redor e depois era tudo sombras. Foi também ela quem primeiro saiu para campo aberto e lhes mostrou que era possível caminhar contra o vento. E assim andaram até lhes parecer que tinham começado a descer, e que deviam estar perto do lugar assinalado como Malhada do Cabo da Estercada. Depois um deles conseguiu rede e umas horas depois foram resgatados. Não haverá nunca nas suas vidas uma noite como esta.

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