18 outubro 2005

O começo de Lúcia


Quando Lúcia me ligou a primeira vez para a estação não lhe reconheci a voz. Surpreendeu-me receber uma chamada. Não estou habituado. No primeiro momento julguei que tivesse acontecido alguma coisa à tia Graça. Depois ela disse: “ Sou a Lúcia. De Nelas. Da formação sobre Novos Produtos. “ Ao telefone a voz era macia, clara. O tipo de voz que não estava habituado a ouvir. Ao vivo, na formação, a voz dela era macia e clara. Perguntou-me: “Não acha que esta formação é uma farsa?” Estávamos na segunda hora e antes do primeiro intervalo. Tinha ficado ao meu lado esquerdo e logo que se sentou senti-me como se estivesse na serra de Montemuro ou no Monte Hagia Talia. A serra de Montemuro é onde me senti melhor na vida. O monte Hagia Talia é um sítio com que sonho. Nem precisava de me virar para a esquerda. Aliás virar-me para a esquerda era uma tarefa praticamente impossível, de tal forma receava afundar-me na minha perturbação, fundir-me, derreter. Assim quando ela me falou, eu estava numa das faldas do rio Desança, junto à queda de água, paralisado por tanta felicidade.
O meu nome é Heitor. Escrevo para não desaparecer. Porque deixar ao dr.L. o encargo de contar a minha vida? O dr. L. não conhece Lúcia. O blog do dr L. está a desaparecer. É André Bonirre quem o diz. “A Natureza do Mal está a desaparecer”. Bonirre suspeita que Marianita, Marta M., Amélia, São e vários anónimos, são alguns dos nomes do dr.L. Bonirre edita fotos, metodicamente, para esconder o desaparecimento do Mal. Agora que André Bonirre é fotógrafo e organizador de eventos, custa-lhe ver desaparecer o dr.L. O dr L. lê há quinze dias Vila-Matas de Doctor Pasaviento. E embora não tenha problemas de identidade, ou assim o declare, não conheça nem metade dos escritos de Robert Walser e quase nada da mitologia walseriana que Vila-Matas persegue, é-lhe difícil escapar ao circo literário do escritor de Barcelona.
Eu sou Heitor. Trabalho nos Correios. Encontro por vezes o dr. L. e ouço-o falar de coisas que não sei. Numa tarde de fraqueza falei-lhe de Alma. Não tive coragem então de dizer o nome dela. Como ele insistisse e me pedisse um nome, foi Lúcia o nome que me saiu. Não foi a primeira vez que traí Alma.
Mas não me quero antecipar. Estou aqui para ajudar o dr. L. a desaparecer, se é isso que ele quer. E para falar de Alma.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial