01 julho 2005

Ao Bombyx mori para ele ficar



Quando eu era Mariana tinha medo das borboletas. Fechava os olhos, ignorava-as. Via o dr Conceição a passar com a sua rede, o dr. Garcia com a casa forrada de belíssimos exemplares em expositores encomendados na Holanda. Mas, à cor vivíssima das borboletas, eram toleráveis as imagens desfocadas dos biólogos e dos coleccionadores. Um dia, um homem que perguntava coisas, perguntou-me do medo. E pela primeira vez parei à volta do meu medo das borboletas, isto na serra da Contenda, enquanto passavam, na periferia do meu campo visual, alguns exemplares horrendos, um deles roxo, a cor do pânico, se não sabem. Talvez atrás do medo das borboletas estivesse outro, inominável. O homem percebeu e deu-lhe o nome, para meu nojo e alívio. O meu inferno são as larvas, esses seres moles, coleantes, gregários, avançando com rastos de baba em direcção às vítimas. O meu horror às borboletas deve ter surgido no dia em que percebi que elas descendem de um casulo onde este ser imundo se encerrou, para alívio dos meus males, infelizmente a título temporário. O homem disse que talvez eu temesse, na borboleta, a brevidade da vida. Mas já não ouvia. Estava perdida nas metamorfoses regressivas. Via os bichos com asas a fazer casulos, de onde saíam opulentos, envelhecendo até serem ovos secos, partículas de um pó fértil, apenas em zonas cinzentas para lá dos rios.

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