07 junho 2005

Junto ao depósito


Se a vida fosse um romance decente, a dele tinha acabado ali, naquela tarde, junto ao depósito de água.
Sobrevivente. Foi o que passou a ser. Todas as manhãs enrolava o edredão, descia a Couraça até ao Terreiro, aos banhos públicos da Ajuda Médica. Bebia o leite com café, perguntava:
- Hoje dão sopa?
Só para ouvir a voz da dona Rosa a dizer o seu nome:
- A sopa não se vai acabar,Heitor. Mas é só às sete horas, aguenta-te até lá.
Como é que se aguenta até às sete hora? Como é que se aguenta uma vida que, se a vida fosse um romance decente, há muito que teria tido o seu epílogo?
Eu disse no depósito de água? Talvez antes. É sempre difícil de dizer o momento certo, quando a narrativa suspende ainda o leitor.
Já todos os leitores tinham desertado da vida dele. Foi então ali que acabou o romance da sua vida, naquela tarde junto ao depósito de água?

(Foto de Lothar Baumgarten)

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