04 abril 2005

Sonhos (2)

O meu pai tinha um livro de um Frantz Fanon, combatente dos movimentos de libertação, cujo título era Les Damnés de la Terre. Fanon dizia que os colonizados se libertavam todas as noites, nos seu sonhos. No Brasil, em Minas Gerais, sonhei o sonho das senzalas, onde a África e a América se fundiam e confirmei que nenhum escravo tinha algemas ou peias. Os doentes curam-se. Os desacertados dançam um tango de estontear. Foi em sonhos que Bonirre aprendeu a quebra de anca que lhe fugia nas aulas de dança de salão. Os melhores textos dos surrealistas foram sonhados - e infelizmente perdidos ao despertar. Nas terras em que há poucos brinquedos, os meninos recusam acordar, para brincar um pouco mais com a camioneta de lata, a retro escavadora. Ciclismo, skate, patins em linha, prancha a vela, sky, é em sonhos. É em sonhos que os alunos nos ouvem como nos anfiteatros dos filmes americanos. É em sonhos que os beijos não acabam. Quando me sonho no balcão dos Correios as cartas são todas de boas notícias e o ambiente é o de um musical ingénuo.
Um dia chega que nos sonhamos como somos. E há uma cidade no litoral paulista, uma cidade à superfície amável, onde a realidade se torna sonho, e finalmente nos vemos, não em espelho, nem face a face, mas pior. Sonhamo-nos como os outros nos vêm. Chama-se Ubatuba e a maldição começou quando em 1536 José de Anchieta quis converter os tupinambás e duvidou do bem que lhes trazia. Esta noite vou dormir em Ubatuba e é por isso que vos estou a contar tudo isto.

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