18 novembro 2004

No dique, mais à frente

Pedalando no dique encontrei, num lugar a que chamavam Amersfoort, dois homens à conversa. À minha passagem fizeram um sinal amistoso e eu deti-me por momemtos. Não manifestaram surpresa pela singular condição em que me encontrava, depois do confronto com os meus perseguidores. Disseram chamar-se Monne e Wijnkoof . Monne era um homem de singular nobreza.

Contou-me que planeara a maior parte dos bairros da cidade de A. , quando as bicicletas se generalizaram entre os seus habitantes e estes puderam ir habitar bairros mais afastados das fábricas. Monne era social democrata e o seu nome verdadeiro Rodrigues de Miranda. Solomon Rodrigues de Miranda, de uma família fugida da Iberia. Quando os alemães entraram na Holanda, Monne, vinte anos à frente do pelouro de Obras Públicas da cidade de A., foi afastado de qualquer actividade pública. Depois entregou todo o recheio da sua casa a funcionários holandeses que, sob a supervisão dos ocupantes, catalogaram os bens e os levaram para um depósito da cidade de A. Depois teve de deixar a moradia e partilhar com outras famílias um quarto distribuído pelas novas autoridades. Mais tarde prenderam-no e levaram-no para o campo de Amersfoort, próximo da cidade de A., junto ao local onde nos encontravamos.

O que Monne me contou sobre o campo não pode ser confirmado. Na retirada os alemães destruiram todos os documentos.

Quando lhe perguntei onde viviam agora, ele e o companheiro que assistira em silêncio ao relato que procurei resumir, apontou para o canal que acompanha o dique e depois parece iniciar um labirinto de àgua ligando este polder a todos os polders do Zuiderzeewerken, e disse-me uma frase que reconheci como a frase do narrador de Austerlitz, de Sebald, num dos poucos momentos em que não é Austerlitz quem diz.
Por aqui, e com um gesto apontava para a linha que divide o lado da vida corrente do seu inimaginável contrário.

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