23 novembro 2004

Consistência


Diz o blogger do Relâmpago que há, desde o início, uma consistência na escrita da Natureza do Mal. Fui ver. Já não me lembrava do que tínhamos escrito. Há tempos que estou, nesta questão da identidade, com grande incómodo. Se em noventa dias nos renovamos, da epiderme às células do sangue, como é que somos outros e os mesmos? No meu caso sei a resposta. Não sou. Espanto-me de ainda responder ao nome que me dão. Ouço contar as histórias da infância (a minha Mãe costuma fazê-lo nos almoços do fim de semana e não me lembro de nada, a não ser dessas mesmas histórias, noutros almoços que devem ter sido mais felizes). Tive certezas e devo ter contagiado outros com elas? Peço desculpa às vítimas. Dizem que a acção necessita de gente assim, com convicções, valores, determinação. E que é preciso acção. Para o progresso. Esse eu que fui perdeu-se. Está nas histórias da minha Mãe (embora não tenha a certeza de que a minha Mãe se lembre dos factos ou da narrativas). Também do que escrevi me espanto. O Escritor que publica em todos os Natais diz que não é ele quem escreve na garagem ou em consultórios abandonados. É a sua mão. No meu caso não há mão, nem teclado, nem escrita automática, nem inspiração. As histórias que escrevi foram-me ditadas. Enviadas por mail, sms, pequenas folhas de papel, como suspeitaram sempre os meus amigos mais próximos. Agora calaram-se as Musas Esqueléticas (é verdade. Por mais que tente não entro. Já revi o link. Já tentei entrar pelos links de outros. Pelo google e outros motores de busca. O anúncio do erro é fatal no ecrã. O Bonirre não acreditava e comprovou esta inacessibilidade sem remédio). As minhas Musas não eram bem esqueléticas. Eram louras cheiinhas, bem nutridas. E não eram bem Musas. Simplesmente me limitei a copiar as suas histórias. A ter medo da confiança que me prodigalizavam. Aceitavam o anonimato. Não pediam direitos de autoria. Não protestavam por ligeiras alterações, mais motivadas por incompreensão ortográfica ou gramatical do que por assomo criativo. Mas eu sabia que eram efémeros os favores das Musas. Mesmo quando eram louras, bem nutridas e complacentes. Agora acabou. Perderam o meu mail, estão a mandar as suas vidas de fingir para templates mais agradáveis, outras cores de fundo, melhor aproveitamento das possibilidades do Blogger. Não estou excessivamente triste. Tinha de ser assim. Tudo tem o seu tempo. Assisto a tudo com melancólica tristeza como antes me alegrei com melancolia. Digam-me ao menos os novos links em que publicam. Irei furtivamente, como quem liga a rádio no parking, às terças à tarde, e se afunda no banco do carro para não ser reconhecido.

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