08 novembro 2004

Before Sunset


Tinham-se encontrado há dez anos no interrail. Separaram-se e sabiamente não trocaram endereços. Mas combinaram um encontro em Viena, no Natal desse ano. Ela faltou, ele diz que esteve lá. Ele escreveu um livro sobre esse encontro de um dia. Escreveu para ser famoso, ganhar dinheiro mas sobretudo para que ela o lesse. Para a reencontrar, para ser amado, o mais nobre dos motivos para escrever. Casou-se, tem um filho, é feliz nas entrevistas. Ela trabalha numa ONG, e vive sozinha num pátio de Paris. Tem um namorado que é caixeiro viajante.
Encontraram-se no périplo europeu em que ele promove o seu livro, um pequeno e improvável best-seller. O encontro decorre entre a livraria do cais do Sena onde a editora fez uma pequena sessão de lançamento e a casa dela. Falam. Sobretudo ela. Dizem coisas banais, ou não tão banais como isso. Falam, e é tão importante falar. Podiam não dizer nada, parler sans avoir rien à dire, e isso bastaria. Mas estes dizem coisas importantes. Em Austerlitz, de Sebald, Jacques Austerlitz, perseguido pela memória de uma Europa onde os sinais de uma matança recente se tornaram para ele iniludíveis, pode ser salvo pelo amor de uma mulher, Marie, que o leva a Marienbad . Porque é que vejo os teus lábios abrir-se como para dizer qualquer coisa, talvez mesmo gritar, e depois não dizes nada? interroga-o ela. E no regresso, Marie ia falando para si própria, a meia-voz enquanto ele sabia que por sua culpa, a tinha perdido para sempre.Além de um diálogo de amor e sobre o amor o filme é também um longo bailado nupcial, um brilhante repositório dos sorrisos e da linguagem corporal a que os etólogos chamariam copulatória.
O tema é romântico. Mas o amor romântico é capaz de não ser uma invenção cultural como levianamente defendi por aqui. Helen Fisher, por exemplo, em Anatomy of Love, a natural history of mating, marriage and why we stray, cita uma investigação sobre 186 culturas e afirma que elementos do amor romântico estavam presentes em 86 % delas.(esta evid~encia é de grau baixo mas é a que tenho disponível de momento).
No conto A mulher da estação de gasolina , de Bernard Schlink, um homem, europeu de classe média, abandona a mulher com quem vive, quando numas férias atravessam o Oregan, por julgar ter reconhecido a mulher de um sonho que lhe assombra a vida.
O filme recria essa fantasia. Algures, numa viagem da juventude, numa estação de comboios entre duas cidades, deixámos ficar o amor da nossa vida, o verdadeiro.

PS: Os críticos de cinema do Público e do Expresso, dois jornais que leio, não gostam de cinema. Deve ser horrível dedicar uma vida a algo de que se não gosta.

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