05 outubro 2004

Elizabeth Costello


Elizabeth Costello, de Coetzee, está construído como um combate de boxe em nove rounds. Elizabeth Costello é Coetzee, numa idade em que o desejo o abandona e o aproxima da matriz, permitindo ver tudo mais claro, mas apenas a espaços, como iluminações num corredor escuro. Somos uma coisa insignificante. Uma espécie entre as outras. Estamos permanentemente a julgar e a ser julgados. Às portas do Inferno. Transportamos as nossas fracassadas crenças juvenis. Em Deus, no Socialismo. No último reduto das nossas crenças: a arte, Dostoievsky, Rilke ou o van Gohg entrapado, digno da maior piedade. Transportamos uma culpa insuportável. A culpa da grande matança. De um holocausto actualizado e que se estende aos matadouros onde cegamente abatemos os nossos prisioneiros, os outros animais. Somos levados às cordas, capítulo a capítulo, até ao juízo final numa cidade de fronteira, algures entre a Itália e a Áustria. Habitamos um stalag que é o cenário de todos os campos de detenção, do gulag ao tarrafal. Nessa cidade, os habitantes falam as diversas línguas do mundo, mas podemos ouvir tudo na língua comum da espécie, o inglês. Não sabemos porquê, mas queremos passar a porta, ver a luz. Preenchemos um formulário que é sempre o mesmo, sendo certo que já não nos será dado ver a deslumbrante claridade que viu Dante.

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