20 setembro 2004

Loreta no quarto

Loreta no quarto do hotel vê pela janela os edifícios da Avenida P. enquanto o Mamute a placa pelas costas. Aproveita para se descalçar. O pé deixa de lhe doer e ela sente o corpo do outro abraçado contra o seu e a urgência do sexo dele nos quadris.
Está muita luz no quarto embora seja apenas a luz da cidade de L. Solta-se e fecha o reposteiro. Está escuro de mais. O rapaz aproxima-se e beija-lhe o pescoço. Não é totalmente desagradável. Estende e atira um pouco para trás a cabeça para alargar a superfície de pele onde ele se aplica. Neste movimento vê-lhe a língua. A língua do sardão, pensa. E estremece. Ele percebe que não é de prazer.
O Mamute soltou o Esquilo. Mas o Esquilo é agora um animal em guarda. Porque diabo havia o mamute de ter a língua do sardão? Na verdade não se lembra de ter estudado a língua do mamute nem de alguma vez a ver representada. Terá sido a única a beber demais? Recuou para o sofá e aninhou-se num canto. Ele aproximou-se devagar, pegou-lhe no pé ferido e aqueceu-o entre as mãos enormes. Estavam calados. Não lhe parecia bem sussurrar na língua natal e parecia-lhe artificial dizer pequenas palavras ternas em inglês. Pensa na fidelidade e no Javier Marias em Oxford com a Muriel. A fidelidade é então isso. Um corpo que não reconhece ainda o outro, um joelho que não sabe onde encaixar, um som que a garganta se recusa a soltar, um pedaço de pele acariciado a contrapelo.
As mãos nas coxas são pesadas, o peito não tem a humidade necessária, e é urgente mandar uma mensagem ao namorado. Para decidir se contraria a matéria de que é feita a fidelidade.

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