11 agosto 2004

Varadero

Já há alguns dias que estou impossibilitado de acercar-me sequer de um computador por causa do blackout, o único trabalho digital permitido por aqui é gasto a enrolar folha de tabaco. Muito menos entenderiam o que faria um burro frente a um teclado. Há muita cana de açucar para colher. Temos estado em Varadero, vou agora à praia muito menos por conveniência. No primeiro dia foi bem, eu levava roupa e a Rosete ía á frente, sendo mais vistosa passou facilmente pelo guarda na cancela da praia. Logo que escolhemos poiso comecei a sentir arrepios de corda tensa nas costas e um olhar gélido na nuca. Não era de nenhum dos de passagem que, como eu, cumpriam apenas o contracto com a agência de viagens. Aquilo foi coisa de me fazer recordar os olhares que me deitaram lá na terra assim que a Rosete me falou, que nos fizeram evitar as festas populares e nos levaram para os caminhos tão intensos da cumeada. Passado pouco tempo já eram três ou quatro na guarda da cancela, olhavam para onde estávamos e conversavam entre si. Topei-os logo. Eu destoava. Entre as de biquini escultural ou os de bermudas com carteiras monetárias coladas à pele eu des encaixava, era um fardo. No segundo dia aliviei-lhes as albardas, não passei a cancela, fiquei no areal do lado de cá. E foi o melhor que fiz, nós resistentes, entre resistentes, proscritos entre esquecidos. Aquele povo estava habituado a procurar o caminho da felicidade contra todos os indicadores, a encontrar escapes discretos para o turbilhão de sentimentos e vontades por entre os grilhões da estatização. Pelo menos, gosto de pensar que assim é. Voltei a escrever em papel, a Rosete gosta de me ver mexer nas folhas ou com a caneta atrás da orelha, afinal era do PC que ela tinha ciúmes. Ali fica encostada ao meu dorso durante o calor húmido das tardes, finjo escrever, finjo que não me pesa o seu corpo, finjo ocupar-me em algo mais do que notar a sua respiração. Rasgo tudo assim que ela adormece por receio que palavras doces e moles tenham ficado escritas. Eles ensinaram-me como enviar as folhas escritas, disfarçadas entre as guias de despesa, para a menina Filipa da agência de viagens, que as faz depois publicar no blog. Sinto-me tão feliz quanto um burro pode ser, tudo é perfeito mas começo a sentir uma barreira invisível pairando sobre ela, sobre mim, é ainda imperceptível mas nada do que eu faço consegue alcançar mais sucesso do que tudo o que já fiz antes. A sombra parece vir do futuro. Ontem disse-me educadamente que eu devia procurar fazer menos barulho a mastigar.

Jammes (sussurrado e silenciado fica áme)

PC

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