18 março 2004

A carta de Silvano

Gosto dela. Parece que nos cruzamos na vida. Ela a subir. Eu sabe-se lá.
Quando começa o turno da noite vejo-a, como sempre quase sem ouvir. Ela pôe a cabeça de lado, entreabre a boca, tem os lábios molhados e a língua a aparecer. Deve dizer coisas importantes. Já lhe disse que não ponho som no aparelho. Não é bem por causa dos regulamentos. É respeito para com os mortos. E basta-me vê-la. O meu colega do turno da tarde afixa fotos dela pelo gabinete. Tudo para o gozo, para me fazer rir. Outro dia era uma revista em que ela aparecia de meias pretas de renda e chinelas de salto. Deu-me uma pica melancólica. E um casaco de penas a pingarem. Dizia lá que estava vestida pela fashion clinics, uma nota. Mas até nisso ela é especial, porque conseguia disfarçar o luxo, humilde como as miúdas dos bares. Agora estou triste. O meu colega deixou outro recorte. Uma entrevista a sério, só a falar rico, Rosselini práqui, Kosturami prácolá. Estava pronto para tudo menos para a ouvir dizer aquillo. Eu sei que é artista e os artistas querem sempre dizer outra coisa. Mas ela não precisava de se expor assim. "Disse ao Julião Sarmento que é meu amigo: Sou a actriz putativa do teu filme".

Silvano

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