11 fevereiro 2004

marcas de pó

A estrada é de terra, é verão, tem as marcas dos rodados dos carros de bois, pedras deslocadas por mãos fortes colocadas tapando os buracos mais difíceis, a terra macerada por muitos calores de verão após a lama de inverno. Uma camada de pó muito fino e branco com centímetros de espessura é tudo o que vemos, tudo esconde e alisa. É tão fino e tão pesado que se comporta como água e a cada pegada que desce rápido à procura de terra firme, um jacto de pó se eleva escapando por onde pode por entre a sola e o tecto de espuma. Na estrada para o chão Salgueiro três carreiros, dois de pés pequenos, e o do meu avô que traça o destino. Hoje vamos a Chão Salgueiro, é onde pomos as batatas e os nabos e temos lá dois castanheiros raquíticos e uma fiada de videiras a vizir. Ali ficaram os pés profundamente marcados, não é preciso o índio batedor para adivinhar quando parámos para apanhar amoras, onde ele decidiu sair da estrada pelo muro do lado, quando nos apontou a pilha de lenha que o Ti Zé rachou e que o filho há-de vir buscar com o semi-atrelado-sem-tractor. Não. O pó fino e pesado não retém nenhuma memória, os três carreiros não farão um pisoteio. Assim são os passos que dou, profundamente, silenciosamente marcados na areia fofa. Segues-me apenas a uma curva atrás e vês. Sem ilusões, és o vento ou a chuva, o primeiro que vier repõe a lisura sem memória do caminho.

PC

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