21 janeiro 2004

As invasões francesas

Quem delira com esta questão é o senhor Mário Pinto. Maila-se com Chirac e vem-nos fazer queixa. Chirac disse-lhe qualquer coisa como: "devemos viver a nossa fé na intimidade dos corações". Em francês isto é ainda mais bonito. Foi assim que desde o senhor D. Manuel I até quase aos nossos dias os judeus da península viveram a sua fé. Ele, Mário Pinto, vê nessa frase uma ameaça ao direito de celebração pública dos cultos. E remata: "Devemos deixar de fazer as nossas procissões? De deixar de tocar os sinos?..."
Um dos meus poetas, um homem de palavra(s), escreveu um dia sobre o Portugal Futuro. Era um tempo escuro em que o Cardeal benzia um poder ditatorial. E ele disse: "Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz/ mas isso era o passado e podia ser duro/ edificar sobre ele o Portugal futuro." Hoje essa questão é pacífica. Os párocos encarregaram-se de substituir os sinos da minha aldeia por horríveis gravações de um badalo sempre-o-mesmo. Mas a questão, a horrível questão é esta: tempos houve em que os sons do catolicismo não eram apenas os das práticas benignas que Mário Pinto enuncia. De vez em quando, as nossas praças enchiam-se com os cânticos dos condenados e a crepitação da carne nos autos-de-fé. E sabem quem é que acabou com estes brandos costumes? Não, não foram os nossos reformadores. Foram as tropas francesas.
Digam-me que estou enganado, por favor.

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