11 setembro 2003

O par espantoso

O par espantoso

Deve ter sido teorizado por Alan Marriot. Javier Marias fala dele em Todas las Almas. O narrador oxoneano está no museu Ashmolean, vindo da Tayloreana, nesses dois anos que iriam marcar a sua vida e obra. No átrio do museu, deserto como habitualmente, cruza com Clare Bayes, a mulher que ele gostaria de encontrar mais vezes. Clare está acompanhada pelo velho pai e pelo seu filho, Eric, de sete anos. Ele persegue-os furtivamente, pelo interior do museu., perfilado atrás de colunas, ignorando um gesto irritado com que ela o intima a desaparecer. Mas vê a cara do velho e do menino e nota a incrível semelhança entre ambos e entre eles e Clare Bayes, a mulher que ele tanto tinha beijado ( aliás muito menos do que queria). Então escreve, inspirado em Alan Marriott : “ há idéias que podem ou não associar-se, mas se se associam provocam espanto: a ideia da criança e a ideia do beijo, a ideia do velho e a ideia do beijo, a ideia da criança e a ideia do velho. O par espantoso do velho é a criança. O par espantoso do criança é o velho, a do beijo é a criança e a da criança o beijo, a do beijo o velho e a do velho o beijo, o meu beijo ...(...) O beijo dos três.”

O par espantoso de Linch é um ser que não chega a levantar-se das trevas num muro das traseiras de um café de bairro em Mulholand road, o par espantoso de Louçã é Celeste Cardona depois de uma gaffe do P. Portas num debate da última campanha eleitoral, o par espantoso de Bagão Félix é o próprio num papel de traficante encenado perversamente pelo João Botelho, o par espantoso de J. Manuel Magalhães é Cavafys, o par espantoso de S. Cristóvão Canibal é Raymond Queneau, o par espantoso de Sofia é Emily Dickinson, apesar de tudo , dos 101 anos e de toda a beleza o par espantoso de Leni Riefensthal é Hitler, o par espantoso de Hanna Arendt é Heidegger, o par espantoso de Brecht, Paulo Quintela, o par espantoso do senhor Lucas é o seu carro Anglia, o par espantoso de h. é o ford mustang, o par espantoso do dr. Tomé é o seu cão boxer ( o José António deixou de ir a exposições caninas por não poder suportar a exibixão de tanta afinidade), o par de Orson Welles é Kane ou o trenó Rosebud ou Berlin no fim da guerra, o par horroroso de A é o seu filho morto, o par espantoso da Tiza é o Raimundo com quem namorou 6 meses aos 18 anos, o par espantoso de Frida Khalo é uma coluna partida, o par espantoso do António é a palavra justamente, o par espantoso da cidade de Pinhel é a maldição que Juan Goitysolo lança às costas da Pátria, terra maldita jamais voltarei a ti, o par espantoso da Lena é o Clube de Ginástica Feminina, o par espantoso da Dª Hermínia era um cágado que se escondia debaixo das camas, em perpétua hibernação, o par espantoso da Ananda é o trabalho da dor, o par horroroso do meu avô é o campo de morte do Tarrafal, o par espantoso, maravilhoso, do Francisco Amaral é a Intima Fracção, o par espantoso do Durão é um peixe, par espantoso e nada horroroso, porque o par espantoso desse peixe é o meu poeta Alexandre O’Neill.
(À Suivre).

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial